Negacionismo, Anti-Vax e a dialética
Em uma conversa com Geert Vanden Bossche e Robert Malone - dois dos mais importantes nomes no debate científico (de fato) sobre a pandemia - o entrevistador Philip McMillan ressaltou que ambos cientistas tinham um currículo que envolvia o desenvolvimento de vacinas, e complementa “então posso assumir que seguramente vocês não estão se sentindo orgulhosos por serem quase heróis para os anti-vax. Como isso os faz se sentir?”
Vanden Bossche tem um currículo notório em serviços prestados no desenvolvimento e difusão de vacinas, não apenas para a Big Pharma (tendo trabalhado com pesquisa e desenvolvimento para a Solvay, Novartis e GSK), mas também para a fundação Bill & Melinda Gates e para a Global Alliance for Vaccines and Imunization (GAVI) e o German Center for Infection Research como chefe o escritório de desenvolvimento vacinal.
Já Malone é ninguém menos do que o inventor da tecnologia mRNA que é utilizada nas vacinas mais utilizadas contra a Covid-19.
Como esses homens que tiveram papel de destaque responderam a questão de McMillan? Vanden Bossche afirmou “Para mim isso não é uma questão. Eu acho que não podemos mais nos dar ao luxo de discriminar entre todos os tipos de diferentes grupos. Eu acho que estou deixando minhas ideias muito claras, eu não estou estigmatizando pessoas. Se há alguém que seja fundamentalmente contra vacinas e está aberto à minha argumentação, ao que estou dizendo… Eu sempre defendo a solidariedade, a única forma que podemos sair dessa crise é colocando nossas cabeças para trabalhar juntas para superar essa estreiteza de visão onde [o que define] é quem pertence a cada campo. Eu não me importo, nós não deveríamos estar fazendo isso. Eu estou tão cansado de toda essa discriminação e estigmatização de pessoas. Isso não nos ajuda em nada. Eu não tenho um problema nesse momento com anti-vaxers, eu sei que as pessoas não me consideram como um anti-vax, eu sei que muitos anti-vax me apreciam muito e outras pessoas que são movidas por uma paixão pela verdade e por descobrir como podemos resolver esse problema. Então isso é sobre as pessoas, na verdade, e não sobre certos grupos defendendo ideias que são bastante extremas. Acho que muitos anti-vax também aprenderam muito desde que viemos compartilhando algumas de nossas ideias.”
Robert Malone, então, insistiu em sua opinião já emitida em outros momentos sobre isso, dizendo: “Eu compartilho a perspectiva de Gert, em particular no que diz respeito a não ficarmos nos dividindo nesses grupos antagonistas, eu acho que é muito contraproducente. Pessoalmente, eu considero esse termo anti-vax pejorativo, é um rótulo muito simplista que a mídia gosta de usar para desacreditar as pessoas. Ele simplifica grosseiramente o que é uma paisagem complexa de diversas pessoas que são pró-escolha e não anti-vacina. Eu acho que esse termo é um desdém pejorativo que é utilizado, e é parte de uma estratégia que é utilizada para silenciar alguns tipos de conversas. Isso é o que eu acho mais perturbador em todo esse ambiente. Gert e eu estamos tentando falar de ciência, estamos tentando entender um cenário muito complexo em termos da evolução viral e a interação disso com as vacinas e com a política vacinal. E a imprensa sempre adora rotular as coisas e separar todo mundo em campos opostos e nos colocar uns contra os outros. Eu acho que é porque promove ‘cliques’ e vende o que quer que eles estejam vendendo, mas não é útil para fazer boa ciência. Então eles introduzem esses termos como anti-vax e tentam nos colocar em uma caixa para se adequar à sua narrativa. E reforçam isso com uma variedade de ferramentas interessantes, como esses checadores de fatos. Mas é anti [inaudível] e usar esses termos é destrutivo, destrói nossa habilidade de comunicar ideias complexas e resolvê-las de uma forma científica, o que requer que sejamos permitidos a ter diálogos abertos e construtivos. Então, eu só quero dizer isso sobre toda essa classificação das pessoas como ‘anti-vaxers’. Eu trabalho com algumas das pessoas que foram classificadas como 'anti-vaxers’, que foram nomeadas na lista dos malditos do presidente dos EUA. Eu os considero pessoas muito inteligentes e sensatas que estão tentando compreender o sentido de informações muito complexas da mesma forma que o restante de nós. Então, eu não estou atacando você Philip, mas eu realmente gostaria que parássemos de usar esse termo, eu o acho contraproducente.”
Corta a cena para o Brasil, uma postagem numa rede social (antes que seja censurada por “desinformação” de acordo com a política das big techs que decidem o que é informação científica ou o que é verdade baseados em… bem… na opinião de seus proprietários). Uma pessoa compartilha uma informação sobre um parente que morreu em consequência de um efeito adverso de uma vacina. Ou alguém fala de um efeito adverso grave que lhe gerou um problema sério de saúde. Ou ainda alguém compartilha estudos científicos sobre a altíssima taxa de miocardite em jovens adoelescentes do sexo masculino após vacinas de mRNA. Nos comentários, invariavelmente leremos alguém de esquerda, pode ser inclusive um militante “marxista”, que vem “alertar” que aquele tipo de conteúdo pode dar ensejo aos “anti-vax”; isso se ele diretamente não já “insultar” a pessoa como “anti-vax”.
Adeus para as informações muito complexas ou o debate de ideias que defendem os dois cientistas que dedicaram parte de suas vidas a criar vacinas. Basta apresentar dados empíricos, da vida real, de pessoas reais, que você se tornou o inimigo da saúde pública, dos esforços coletivos para acabar com a pandemia. Você é o obscurantista que está “contra a ciência”.
Infelizmente, aqui, como em outros campos, parece que a esquerda vem ganhando o troféu de escrotice, como atesta essa matéria do jornal Brasil de Fato, ligado à organização de esquerda Consulta Popular, cuja capa original (depois alterada provalvemente na tentativa de evitar merecidos processos) é esta:
Arlene Ferrari Graf, como vocês podem conferir em seus perfis nas redes onde é possível encontrar lives e depoimentos com ela, perdeu seu filho Bruno Graf para um AVC após a primeira dose da vacina AstraZeneca. Para conseguir comprovar a correlação com a vacina (algo que deveria ser garantido pelas próprias fabricantes e pelo governo) ela teve que pagar do próprio bolso um exame de mais de 3 mil reais feito no exterior. Tudo está comprovado em laudos. Nada disso, no entanto, é capaz de vencer a obstinação estúpida dos que aderiram com tamanha fé ao que diz a indústria farmacêutica e as agências de saúde capitalistas, e que para reafirmar sua crença precisam caluniar e mentir. Arlene deixa de ser uma mãe que perdeu seu filho em decorrência de uma vacina experimental, e passa a ser uma “bolsonarista, negacionista, anti-vax”.
Experimente, então, relatar um caso de alguém que se tratou com Ivermectina, Zinco, Hidroxicloroquina, Vitamina D, e se curou da Covid-19. Ou, ainda, compartilhar algum dos tantos estudos que questionam a eficácia de medidas como o uso de máscaras ou de lockdowns para diminuir a disseminação dos vírus. É o que basta para ser taxado como “negacionista”. O “negacionista” passou a ser aquele que questiona qualquer elemento, por mais mínimo que seja, dos dogmas oficiais sobre a pandemia veiculados cotidianamente na imprensa, nas redes sociais, nos comunicados dos governos - e que ganharam o rótulo enganador de “ciência”. Como bem retrata o meme:
O que expressa isso? Do ponto de vista da imprensa, do Estado e, principalmente, da Big Pharma - produtora das vacinas que já geraram lucros bilionários a seus acionistas - a questão é simples de compreender. Há interesses econômicos e políticos por trás. Nos EUA, em 2020 apenas, a indústria farmacêutica gastou (ou melhor, investiu) US$ 306,23 milhões em lobby, quase o dobro do segundo colocado no ranking de lobistas, o ramo de eletrônicos:
gasto em lobby por setor econômico nos EUA em 2020 (em milhões de dólares)
Os políticos estão amarrados a seus patrocinadores, e defendem seus interesses. Já a imprensa não passa muito longe desses monopólios farmacêuticos também, como mostra o emblemático caso de James C. Smith, ex-CEO da agência Reuters que é também membro da diretoria da Pfizer.
Os capitalistas estão fazendo seu business as usual. Mas o que mais intriga é porque a esquerda, e em particular seu setor auto-proclamado marxista ou revolucionário, que sempre denunciou os crimes das grandes corporações, passou a ser um dos setores mais fanáticos desse tipo de rotulação imbecil que classifica aqueles que questionam como “negacionistas”?
A explicação, é claro, não pode ser simples para um fenômeno tão aberrante. Mas aqui nos contentaremos em apresentar um de seus elementos fundamentais, que é o abandono de uma das mais importantes ferramentas teóricas de compreensão da realidade que nos foi legada pela tradição marxista: a dialética. Essa, cujo estudo foi tão enfaticamente recomendado por Lênin na Rússia pós-revolução, faz uma falta danada para entender que as coisas na realidade são um pouco mais complexas do que pode expressar uma divisão entre “negacionistas” e os que aceitam a “ciência”; entre estes e os “anti-vaxers”. O pensamento maniqueísta, ou, se quisermos, afeito à lógica formal, ou lógica aristotélica, não consegue ultrapassar o pensamento binário e dicotômico. A esquerda regressou a este estado mental e ideológico que é incapaz de compreender o “cenário muito complexo” que o cientista Robert Malone indicou em sua fala.
Daí, aparentemente, para decidir como pensar sua política, a esquerda decidiu retomar um velho instrumento daquela lógica formal: o silogismo, um pensamento em que a partir de duas premissas se extrai uma conclusão. Procederam assim, colocando como balizador de seu pensamento o seu “Voldemort” eleito: o Bolsonaro. Nesse mundo da Disney da esquerda contemporânea, o time dos vilões é composto por Trump e Bolsonaro, e eles devem ser combatidos em tudo. Assim, a primeira premissa de seu silogismo é:
“Tudo que Bolsonaro fala é mau”.
Essa é a primeira “verdade universal” que guia seu pensamento. Daí, vamos armados dessa maravilha conceitual para o cenário da pandemia, onde encontramos no discurso de Bolsonaro a base para a segunda premissa. Bolsonaro, como Trump, passou a defender que a Covid-19 deveria ser tratada com drogas que vinham mostrando eficácia em diversos locais, como a Hidroxicloroquina e a Ivermectina. Ele também disse que as vacinas poderiam ter efeitos adversos, e que não queria assinar os contratos com a Pfizer que isentassem sua responsabilidade legal. Assim, o segundo termo do silogismo seria algo como:
“Bolsonaro defende o tratamento e não gosta das vacinas”
E, a conclusão lógica é:
“O tratamento é mau, as vacinas para a Covid-19 são boas”.
E pronto! A esquerda definiu sua política para a pandemia, ao lado da Pfizer, Moderna, AstraZeneca, OMS, FDA, a Big Tech e quem mais queira fazer parte desse excelente time dos justos. Com essa bússola impecável, que distingue no mundo essas duas cores, ela pode entender tudo sobre a pandemia: lockdowns são bons, máscaras são boas, etc. Qualquer um que não entenda a primeira premissa, de que “tudo que Bolsonaro fala é mau”, e, porventura, se dedique a ler e estudar sobre o tratamento precoce, sobre as vacinas, e chegue a conclusões distintas, estará sendo um negacionista e, claro, um bolsonarista. Se, por exemplo, uma mãe como a Arlene Graf lamenta a morte de seu filho por vacina, e Bolsonaro disse que não gosta de vacina, logo, essa mãe está mentindo para defender o Bolsonaro!
O que deve dar um nó na cabeça dessa esquerda (e por isso ela prefere ignorar) é ver milhares de trabalhadores em diversos países lutando contra os passaportes vacinais…
Pensando nessa lógica impecável do maniqueísmo dos “pró-vax”, ou as “testemunhas de Jeovax” que viram a verdade revelada, alguém espirituoso sintetizou os mandamentos do pólo oposto do “negacionismo”. O aceitacionismo:
Amém!